Uma escrava liberdade

terça-feira, 8 de maio de 2012 Postado por Lindiberg de Oliveira

- Por que você fez isso – perguntou o homem de terno preto, com um tom de voz totalmente desconcertado –, por que você abandonou o navio?

A sala em que eles estavam era pequena, com apenas uma mesa e uma cadeira. Uma luz branca clareava a sala a deixando com uma luminosidade fosca e sem brilho.

- Não sei – respondeu o capitão, que estava sentado com os cotovelos sobre a mesa.

- Como assim não sabe, você abandonou o navio deixando seu parceiro totalmente vulnerável, sem nenhuma explicação, sem nenhum motivo válido.

- Não é verdade – disse o capitão franzindo a testa, sem nenhum remorso aparente –, nosso relacionamento dentro desse navio já não estava tão bem. Brigávamos muito, pelos mais variados motivos, inclusive pela manutenção desse navio.

- Você sabe muito bem que a maioria dos transtornos dentro desse navio foi causado por você – disse o homem de terno preto, dando silenciosos passos em volta da mesa –. Essa não foi a primeira vez que você o abandonou, não foi a primeira vez que você pensou somente em si mesmo.

- Eu lutei pra dar tudo certo entendeu – respondeu o capitão asperamente –, deixei tudo pra tentar concertar esse navio.

- A única coisa que fez foi exigir demais – o homem de terno preto falava calmamente, sempre se movimentando de uma forma silenciosa –, sempre exigindo e cobrando as coisas sem nenhum direito. Sempre dando incontáveis motivos para que ele, e não você abandonasse tudo de vez.

O capitão estava inquieto, suando, apesar do ambiente está congelante. Não sabia pra onde olhar, não sabia o que falar, nem o que fazer e nem o proposito de ali estar.

- Depois de tudo que vocês fizeram juntos, depois de todos os projetos, todos os diálogos, depois de tudo que vocês já passaram. Depois de tanto suor, tantas lágrimas. É simplesmente inconcebível que você tenha mudado de uma hora pra outra, do dia pra noite, da água para o vinho.

- Já falei que não foi de uma hora para outra – o capitão resolve se levantar, falando em um tom nada amistoso –, ele teve todas as oportunidades de andar junto comigo, para crescermos juntos. Ele não assumia os devidos compromissos dentro desse navio.

- Você foi o primeiro a quebrar as regras dentro desse navio, aliás, o único. E sabe muito bem que você nunca pretendeu de fato deixar tudo, sempre fracassou nos seus atos de compromisso, pois, foram apenas discursos que você não faz e nem pensa em fazer. Você abandonou o seu parceiro da forma mais covarde e egoísta possível. Afastou-se, sem avisar, o deixando completamente só, naquele navio em pleno naufrágio, onde os gritos não tem eco.

O homem de terno preto deu uma pausa. A baixa temperatura fazia com que névoa surgisse naquele ambiente, fazendo a claridade ficar mais fosca.

- Você o deixou afogando, capitão. Não naquelas águas, mas, em si mesmo – continuou o homem de terno preto, sem mudar o tom e o compasso –. Não há honra no que você fez. Pensou apenas em si mesmo, na sua vida, no seu rumo, no seu trabalho. Seu parceiro o considerava como um amigo, como o seu melhor amigo, e no final de tudo você o tratou como um desconhecido. Depois de tudo que você o fez passar, depois...

- Eu quero sair daqui – gritou o capitão interrompendo o homem de terno preto, dando um forte soco na mesa –, não cometi nenhum crime para me encontrar nesse interrogatório.

- Você o deixou totalmente desnorteado, sem chão, mergulhado em um enorme vazio. Você está sendo um canalha, capitão.

- Quero sair desse lugar – grita mais uma vez o capitão.

Quanto mais se revolviam naquele lugar, mais a temperatura descia, aumentando assim consequentemente a névoa naquele cubículo. As cores parecia ficarem pálidas também. O homem de terno preto não apresentava se incomodar com os gritos do capitão, e isso o deixava mais desesperado.

- Você sabe capitão, o que é se sentir um nada, um lixo, um ser indigno e só? Você está aparentemente tão bem, tão anestesiado pelo seu ego, que realmente de fato, acha que tudo isso não é culpa sua. Mas vou te dizer uma coisa capitão, você o matou, o matou mais uma vez.

- Quem é você afinal – perguntou o capitão, agarrando firmemente no colarinho do homem de terno preto –, onde eu estou, como eu cheguei aqui?

- Você não consegue me ouvir né, capitão – o homem de terno preto olha fixamente nos olhos do capitão –, essa é sua prisão, sou a sua consciência, tenho algo muito importante pra te dizer, algo que ainda não foi falado, algo que pode fazer você mudar todo esse quadro. Você ainda pode...

- Eu não quero ouvir – esbravejou o capitão, batendo com toda a força a cabeça do homem de terno preto contra a parede –, eu não preciso de você, não preciso de ninguém me acusando.

O homem de terno apenas assistia toda aquela agressão serenamente, até a morte.

Sem consciência, sem remorso, sem dúvida. O capitão estava livre.

©2012 Lindiberg de Oliveira